Matéria Veiculada em 20 de Novembro de 2022 – No Jornal O Globo Digital e Impresso

Como Implodir uma Empresa por Elon Musk

Visionário para alguns, excêntrico para outros, bilionário destoa da cartilha de gestão de empresas na reorganização que tenta impor ao Twitter

No fim de outubro, Elon Musk adentrou a sede do Twitter, em São Francisco, nos EUA, carregando uma pia. Era uma alusão a uma expressão em inglês que faz um trocadilho com a palavra sink (pia) para sugerir a aceitação de mudança radical, algo como “deixe a ficha cair”. Desde que assumiu a rede, após a conturbada compra por US$ 44 bilhões, o homem mais rico do mundo provoca um terremoto com mudanças drásticas que chegam a levantar dúvidas sobre a continuidade do Twitter.

A mais recente de suas decisões controversas foi dar um ultimato aos empregados: quem não estivesse disposto a trabalhar longas horas “em alta intensidade” deveria pedir para sair. O resultado foi uma nova debandada entre quinta e sexta-feira.

Musk — que já havia demitido metade dos 7 mil colaboradores e a maior parte da diretoria — precisou se reunir com funcionários essenciais para convencê-los a ficar. O Twitter decidiu até manter seus escritórios fechados até esta segunda-feira enquanto tenta debelar a crise. Enquanto isso, o número de usuários, marcas e celebridades que desistem da plataforma só cresce.

Embora a comunicação sem filtro e a impulsividade sejam marcas suas, o bilionário, famoso por tomar grandes riscos em nome de inovações como carros elétricos e naves espaciais, se vê agora numa corda bamba. Qualquer passo pode ser decisivo para um grande fracasso ou mais um surpreendente êxito.

De qualquer forma, especialistas ouvidos pelo GLOBO apontam erros dele na tumultuada reorganização do Twitter à luz das máximas da gestão empresarial.

Oferta acima do valor de mercado

Quando Musk propôs pagar US$ 54,20 pelas ações do Twitter, os papéis da empresa eram cotados na Bolsa por quase 30% menos. Tentou desistir, mas foi obrigado pela Justiça a efetivar o negócio, o que aparentemente estimula atitudes desesperadas para lucrar mais logo.

— Pular a investigação na compra e questionar falsos usuários demonstrou que ele não fez avaliação adequada — opina Yuri Cunha, professor de gestão estratégica e projetos da ESPM.

Produto cancelado horas após o lançamento

No início do mês, o Twitter lançou um selo de verificação cinza, que foi derrubado por Musk em menos de 24 horas. Na primeira semana de gestão, ele anunciou que começaria a cobrar pela verificação de usuários. A repercussão foi negativa, com anunciantes suspendendo contratos e celebridades ameaçando sair da rede social.

Luiz Barbiere, coordenador do MBA de gestão de processos do Ibmec RJ, diz que, antes de gerar qualquer mudança é necessário conhecer a operação de uma empresa para estipular metas. Para ele, é um erro não fazer um planejamento prévio:

— Uma regra básica é o PDCA, sigla em inglês para planejar, fazer, checar e agir efetivamente. Trabalhar no improviso é um erro. O bom gestor planeja com eficácia.

Demissões em massa

Depois de demitir metade do quadro para cortar custos, o Twitter entrou em contato com dezenas de funcionários considerados estratégicos pedindo que voltassem. Alguns foram avisados do desligamento por e-mail, outros só descobriram após o acesso a sistemas ser bloqueado.

Esse modo de agir, segundo Juliana Genevieve, professora de liderança e gestão de pessoas em ambientes competitivos da FGV, mostra falta de transparência e de comunicação assertiva. Tatiana Iwai, professora de comportamento e liderança no Insper, diz que o corte eleva a insegurança e estimula os talentos que ficam a buscar oportunidades fora.

— Não dar o direito de fala ao colaborador que está indo embora é desrespeitoso e tem impacto na capacidade de atração de novos talentos — analisa.

Mudança brusca de cultura

Sem abrir canais de diálogo, uma das primeiras ações de Musk foi acabar com o home office, propor uma jornada semanal de 80 horas e até reduzir as regalias no escritório, como comida grátis. Cadu Altona, sócio fundador na Exec, diz que a cultura de uma organização não pode ser mudada de uma hora para outra.

Para ele, o estilo de liderança pragmática, com foco só nos resultados funcionava bem há 20 anos, mas não tem bons resultados no mercado de trabalho de hoje, que cobra mais empatia e acolhimento.

Rejeição interna

Pouco antes de efetivar a compra do Twitter, Musk declarou que pretendia enxugar em 75% o quadro funcional. Estrategicamente ou não, ele parece estar bem próximo desse objetivo. Funcionários estão deixando claro que não aceitam a nova cultura de trabalho intenso e ausência de diálogo. E usam o próprio Twitter para criticá-lo, ainda que isso leve a demissão sumária. O problema maior é a fuga de cérebros, com a saída de desenvolvedores estratégicos.

— Essas questões são ainda mais importantes para as novas gerações, que começam suas carreiras com expectativas diferentes das anteriores. É uma relação diferente com a empresa, local de trabalho e horas a serem trabalhadas — observa Felipe Bogéa, professor de pós-graduação da ESPM e sócio da agência F2F.

Fonte: O Globo (2022)


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